Em entrevista ao jornalista Joaquim de Carvalho, publicada no canal da TV 247 no YouTube, o ex-deputado federal Julian Lemos, que coordenou a campanha de Jair Bolsonaro na região Nordeste e atuou como braço operacional do então candidato, fez revelações contundentes que colocam em xeque a versão oficial sobre o episódio da suposta facada ocorrida em Juiz de Fora, em 6 de setembro de 2018.
Segundo Lemos, que visitou Bolsonaro dois dias após o atentado, a reação do então candidato foi inesperadamente fria e triunfalista. “Entrei no quarto esperando ver comoção. Bolsonaro olhou pra mim, pra Gustavo Bebianno e disse, rindo: ‘Deixa eu dizer uma coisa: não precisa fazer mais nada, ganhamos a eleição’.” Para o ex-parlamentar, a cena parecia ensaiada e não transmitia nenhum clima de dor ou gravidade.
Julian Lemos sustenta que o ferimento pode ter sido de pequena proporção: “foi um furo muito pequeno, quase como a ponta de uma faquinha de cozinha”. Ele conta que o então ministro Bebianno estava presente na cirurgia e relatou que, apesar da abertura da barriga e do procedimento complexo, o ferimento original era mínimo. “Talvez não tenha sido uma facada para matar, mas apenas para arranhar. Não sei se disseram ‘fura a perna’, ou ‘só a barriga’, mas que foi esquisito, foi.”
Um dos aspectos mais inquietantes do relato diz respeito à ausência de reação dos seguranças de Bolsonaro após o ataque. Adélio Bispo, autor confesso da facada, não foi linchado nem sofreu agressões, o que contraria completamente o padrão esperado em um ambiente dominado por apoiadores fanáticos e forças de segurança armadas. “Não sei como aquele cara saiu vivo dali. Qualquer um que olhasse pra Bolsonaro de cara feia levava um murro. Mas Adélio? Nada”, afirmou Julian. Para ele, o fato de todos os seguranças envolvidos terem sido promovidos posteriormente também é um forte indício de que havia algo muito errado na operação de segurança daquele dia.
Outro ponto grave é o papel de Carlos Bolsonaro, que, segundo Lemos, estava pela primeira e única vez em uma caminhada de rua com o pai. O vereador do Rio de Janeiro, afirma Julian, jamais participava desse tipo de atividade, mas naquele dia estava presente, e teria inclusive se trancado no carro após avistar Adélio Bispo se aproximando. Lemos destaca ainda que Carlos passou a atuar nos bastidores para isolar e desmoralizar aliados de campanha, como ele próprio e Gustavo Bebianno, e chegou a criar uma espécie de “ABIN paralela” para monitorar adversários e aliados suspeitos. O ex-deputado relata que Carlos retirou as senhas das redes sociais do pai durante a transição de governo, como forma de chantagem política.
A reação da família Bolsonaro também é colocada sob suspeita. Segundo Julian, Michelle Bolsonaro demonstrou uma frieza incomum ao saber do suposto atentado. “Ela teria pedido que imitassem a voz de Jair para ouvir, como se fosse uma brincadeira”, lembrou Joaquim de Carvalho, citando trecho do livro de André Marinho. Também Flávio Bolsonaro, em entrevista logo após o episódio, minimizou a gravidade da situação ao dizer que “não foi nada grave”.
Lemos afirma que o episódio da facada foi o divisor de águas da eleição: “Foi sorte, não azar. Na semana seguinte, Bolsonaro subiu sete pontos. Quem dizia ‘não voto nesse maluco’, passou a dizer ‘vou votar nesse coitado’.” O ex-deputado não afirma categoricamente que houve encenação, mas deixa claro que muitos fatos permanecem sem resposta. Ele e Joaquim de Carvalho questionam como Adélio pôde se aproximar tanto, como a faca foi encontrada horas depois por um verdureiro, sem cadeia de custódia preservada, e por que nenhuma investigação séria foi feita durante todo o governo Bolsonaro. “Quatro anos no poder, com controle do aparato do Estado, e ninguém descobriu nada. Isso não entra na minha cabeça.”
Ao final da entrevista, Julian Lemos enfatiza que sua intenção não é fazer acusações sem provas, mas levantar questionamentos legítimos sobre um evento que moldou a história recente do Brasil. Segundo ele, as contas não fecham. Até porque o teatro da vitimização foi essencial para a vitória de Bolsonaro. Se foi espontâneo ou calculado, só o tempo dirá, mas não há dúvidas de que a narrativa oficial é frágil.